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O Brasil debate um novo capítulo do amianto no país e começa a pensar os processos de desamiantagem. Uma lei pioneira na capital de Santa Catarina condiciona a aprovação de construção, reconstrução, ampliação, reforma e traslado no município à apresentação de comprovação da inexistência de quaisquer tipos de asbesto no empreendimento.

Atenta à questão, a Fundacentro criou um projeto sobre os possíveis impactos desse processo e realizou o Seminário on-line “Remoção do Amianto: os desafios de Florianópolis na aplicação da Lei Municipal 10.607/2019″.

“A remoção é uma questão nova, fomos procurados em 2019 para opinarmos sobre a lei e apresentamos as diversas questões ocupacionais que nos preocupava”, conta a tecnologista da Fundacentro, Valéria Pinto. Assim foi criado o projeto “Possíveis impactos do processo de remoção do amianto (desamiantagem) previsto pela aplicação da Lei Municipal nº 10.607/2019, em Florianópolis”, coordenado por ela. Um dos objetivos é fornecer boas práticas de remoção.

“Esta lei municipal é uma ferramenta importantíssima porque exige, ao construir ou reformar, uma comprovação da inexistência do amianto. Fica aqui nosso comprometimento como Assembleia Legislativa de estar junto nesta caminhada”, afirma o deputado estadual Padre Pedro na abertura do evento.

A coordenadora da SOS Amianto e secretária da Subcomissão para a Criação da Norma Portuguesa para a Remoção do Amianto, Carmen Lima, também participou do seminário, na mesa – “Aspectos legais relacionados ao amianto e sua remoção, o contexto brasileiro e experiências internacionais” – e falou sobre as ações de Portugal.

O país teve três fábricas que utilizavam amianto crisotila vindo do Canadá. A incorporação se deu entre 1960 e 1990, mas se percebe algum uso após 2000. O amianto foi mais usado em telhados, especialmente na década de 1980, com aplicações em escolas e edifícios. Também era utilizado em alcatifa (tipo de carpete), tetos falsos, fitas, cordões e em materiais importados.

A proibição do uso da fibra em Portugal ocorreu em 2005. A remoção começou a ser vista em 2007. Em 2014, houve a publicação de uma listagem de edifícios públicos passíveis de conter asbesto. No ano seguinte, parecer considerou a questão do amianto prioritária. A proposta é que haja a erradicação completa na Europa até 2032.

A Lei n.º 63/2018, referente à “Remoção de amianto em edifícios, instalações e equipamentos de empresas”, estabelece a definição de um Plano para identificação de edifícios, instalações e equipamentos com amianto, o que seria cumprido em um ano. Assim ocorreu o registro de edifícios particulares que usaram a fibra. Em 2020, começou o Programa para a remoção do amianto em escolas portuguesas.

Carmen Lima aponta que ainda há preocupações como o abandono de resíduos com amianto em terrenos baldios e a necessidade de empresas especializadas na remoção. Por outro lado, já existem tecnologias de ponta para a proteção de trabalhadores. As experiências de Portugal e Brasil mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que esse passivo ambiental seja resolvido.

Meio ambiente e saúde

O presidente da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), Eliezer de Souza, destaca a importância de se olhar para o passivo ambiental do amianto. “Um debate amplo e democrático. Tema que envolve a saúde do trabalhador e a contaminação do meio ambiente, está presente nas telhas e caixa d’água, afeta a população como um todo”, completa o presidente da Fundacentro, Felipe Portela.

“Que esse material seja substituído e sua remoção seja adequada. Hoje não se justifica mais sua utilização. Há outras fibras não prejudiciais à saúde. A Lei de Florianópolis é uma iniciativa muito importante”, afirma o presidente do Crea/SC (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), Carlos Xavier.

Eduardo Algranti, médico e pesquisador da Fundacentro, destacou trabalho feito na Itália, o qual mostra que o risco de mesotelioma dobrava quando se convivia com alguma pessoa exposta ao asbesto. Já estudo feito na Colômbia aponta para casos entre jovens, o que mostra que a exposição começou na infância e evidencia a relação com o meio ambiente.

São trabalhos diretamente associados à exposição ao asbesto: mineração, ensacamento transporte e armazenamento dessa fibra; fabricação de artefatos de cimento-amianto, de materiais de fricção, de tecidos não combustíveis e de papelões especiais; filtros de bebidas e produção de cloro-soda; isolamento térmico de equipamentos industriais; e revestimento de fornos.

Também há os trabalhos associados à exposição inadvertida ao asbesto – construção civil, manutenção industrial, mecânica de autos, demolições e disposição de resíduos –, e as exposições ambientais: familiares de trabalhadores que lidam com asbesto; moradores de proximidades de indústrias que o processam; e afloramentos naturais da fibra.

“Quem trabalha em áreas com rejeitos de amianto tem risco de mesotelioma aumentado. A exposição ambiental é um problema”, alerta Algranti. “É importante que as áreas contaminadas sejam mapeadas, e os serviços de vigilância em saúde utilizem essas informações”, completa.

Nesse contexto, o médico considera o projeto sobre desamiantagem um marco nesta nova fase do amianto no Brasil. O pico de consumo dessa fibra ocorreu do final dos anos 1980 ao início da década de 1990, mas o uso só foi proibido em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda assim a mina existente em Goiás voltou a funcionar para exportação por conta de uma lei estadual, que está em julgamento pelo STF.

“A luta contra amianto se deu pela mobilização social”, recorda Algranti. Um dos ícones é Eliezer João de Souza, trabalhador contaminado por amianto em Osasco/SP. No evento, Eliezer contou uma pouco dessa história marcada por um “coletivo muito forte”. “Eu me emociono porque perdemos pessoas muito boas, continuamos lutando em nome deles também”, afirma o presidente da Abrea e defende que agora luta para acabar com esse passivo ambiental.

Para tanto, é preciso pensar na destinação desses produtos. “O Projeto de Santa Catarina é piloto, primeiro do Brasil se dispondo a isso. A partir dele, teremos noção do manejo mais adequado. Haverá casos que será melhor manter o material, outros não. Isso requer empresas especializadas. Passa não só pela remoção, mas também pela conservação e isolamento. No Brasil, estamos começando”, conclui Eduardo Algranti.

O médico explica que existe um período de latência longo desde o início da exposição ao amianto até a ocorrência de doenças. Essa fibra pode causar espessamento pleural, derrame pleural, asbestose, câncer de pulmão, mesotelioma, câncer de laringe e câncer de ovário.

O espessamento pleural é a mais frequente doença relacionada ao asbesto e, com os anos, as placas pleurais tendem a calcificar. A asbestose é uma doença de cunho ocupacional e de alta latência, que causa placas pleurais. Como tem a ver com a dose de exposição e o tempo, encontra-se em declínio.

O mesotelioma, tumor com alta fração atribuível à exposição ao asbesto, também tem longo período de latência, mas não possui relação com a dose. A sobrevida dessa doença é baixa, de 12 meses, e as taxas de incidência e letalidade são muito próximas. Praticamente todos que desenvolvem essa doença falecem por causa dela. Já o câncer de pulmão é a neoplasia mais frequente, normalmente, relacionado à dose-resposta. O risco de adoecimento cresce com o aumento do tempo de exposição e dose cumulativa.

O pesquisador apresentou dois estudos ecológicos. “No primeiro, demonstrou-se que no município de Osasco, diferentemente da tendência no estado de São Paulo, a mortalidade por câncer de pulmão em homens persiste em elevação. Uma análise recente ainda não publicada mostrou que em um grupo de municípios em que houve atividades de mineração de amianto e indústrias de cimento-amianto houve risco aumentado de óbitos por câncer de pulmão e de ovário, além do mesotelioma e das doenças não malignas relacionadas ao asbesto”, explica Algranti. A dificuldade no diagnóstico e os sub-registros são outros fatores a serem levados em conta.

Aspectos legais

A procuradora regional do Trabalho e coordenadora da Codemat (Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho), Márcia Aliaga, apresentou os aspectos legais relacionados ao amianto e sua remoção na segunda mesa do dia. “Não há leis específicas para a remoção do amianto, mas há um conjunto de normas”, explica.

A Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aborda a questão da remoção do amianto. Antes de iniciar os trabalhos de demolição, é preciso criar um plano que vise à segurança dos trabalhadores, limite a emissão de pó de amianto no ar e providencie a eliminação dos dejetos que contenham a fibra.

Já o Anexo 12 da NR 15 aponta que “responsáveis pela remoção de sistemas que contêm ou podem liberar fibras de asbesto para o ambiente deverão ter seus estabelecimentos cadastrados junto ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social/Instituto Nacional de Seguridade Social”. A norma também fala sobre avaliação ambiental, mas tem limite de tolerância desatualizado, e prevê o acompanhamento da saúde do empregado após a demissão por 30 anos.

Márcia Aliaga também falou sobre o Programa Nacional de Banimento do Amianto do Ministério Público do Trabalho (MPT), que existe desde 2012 e acompanha a questão, tanto pela via judicial, como através de incentivo à criação de políticas públicas.

 

Link para a matéria: https://www.mundolusiada.com.br/acontece/debate-no-brasil-aborda-experiencia-portuguesa-na-remocao-do-amianto/