Livro dá voz às vítimas e à luta pelo banimento do amianto no Brasil
“Eternidade – A Construção Social do Banimento do Amianto no Brasil” será lançado nos dias 26 e 27 de abril, respectivamente, na Alesp e no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco
O lançamento do livro “Eternidade – A Construção Social do Banimento do Amianto no Brasil”, escrito pela jornalista, escritora e poeta Marina Moura, prefaciado pela premiada jornalista, escritora e documentarista Eliane Brum, e coordenado pela ex-auditora-fiscal do Ministério do Trabalho, Fernanda Giannasi, acontece durante a Semana de Proteção Contra o Amianto, organizada anualmente pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), que irá de 22 a 28 de abril.
No dia 26, às 16h, o evento será realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e conta com a presença de uma missão asiática, que vem ao Brasil se manifestar contra a tentativa da Eternit de querer exportar o amianto explorado em Minaçu, Goiás, através de sua subsidiária SAMA, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter proibido a produção, comercialização e utilização do mineral no país em novembro de 2017. Já no dia 27, às 9h, o lançamento acontece no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região.
A obra narra a construção social do banimento do amianto no Brasil a partir do próprio movimento social, que foi se constituindo à medida que as vítimas da “catástrofe sanitária do século XX” foram se tornando visíveis e diagnosticadas corretamente, após um longo período de silêncio epidemiológico, subnotificação e omissão tanto da parte das instituições governamentais, como das ligadas aos empresários.
“Ao longo de décadas, quanto mais esclarecimentos sobre os males derivados da exposição ao amianto se faziam conhecidos e eram divulgados, mais as vozes dos expostos cresciam, até formarem coro”, explica a autora do livro. “Começaram então a aparecer as pessoas por trás das vozes, cada vez mais engajadas em associações de combate ao amianto que, a partir dos anos 90, foram surgindo por todo país”, conta.
Com linguagem jornalística-literária, o livro ETERNIDADE dá voz às vítimas sob uma perspectiva coletiva, captada a partir da criação da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), em Osasco (SP), no ano de 1995, e que foram se ampliando em diversos estados brasileiros. Como afirma Eliane Brum em seu prefácio: “este livro é para que os mortos permaneçam vivos, para que os vivos tenham paz. Para que o Brasil não esqueça o que sequer é capaz de lembrar”.
O livro é uma iniciativa da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), com apoio do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Secretariado Internacional do Banimento do Amianto (IBAS). A publicação é uma produção da WHIZZ Comunicação Criativa com a coedição da Machado Editorial e da Amarelo-Grão.
Serviço:
Lançamento do livro “Eternidade – A Construção Social do Banimento do Amianto no Brasil”
- 26 de Abril, às 16h
Assembleia Legislativa de SP: Av. Pedro Alvares Cabral, 201, Ibirapuera – SP
- 27 de Abril, às 9h
Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região: Rua Erasmo Braga, 307, Presidente Altino, Osasco - SP
RESENHA DO LIVRO “Eternidade – A Construção Social do Banimento do Amianto no Brasil” (2019)
Pensando bem, a ideia de “eternidade” é assustadora e extremamente difícil de ser imaginada pela mente humana, sobretudo pelo conceito físico (até, talvez, mais metafísico) ou teológico de algo ou alguém sem início e sem fim, sem temporalidade. Porém, eternidade pode, também, ser entendida por apenas uma de suas pontas, a da frente, a do futuro, isto é, algo sem fim, de duração infinita, interminável, e isto é mais fácil de ser imaginado. A imortalidade, por exemplo, sempre foi uma aspiração humana legítima. Contudo, no caso do amianto (asbesto), estes conceitos, aspirações e utopias se embaralharam, aliás, se inverteram. O uso da fibra de asbesto, do grego ‘imortal’, ‘indestrutível’, ‘inextinguível’, que gerou a ideia de ‘eternidade’ prospectiva (mais tarde ‘Eternit’...), muito cedo se mostrou ser um terrível produtor de doença, sofrimento e morte de trabalhadores e trabalhadoras. Com efeito, seis anos após o patenteamento do fibrocimento ‘eterno’, já é descrita pelo médico inglês Hubert Montague Murray, em 1907, a grave doença profissional batizada como “asbestose pulmonar”. Na década de 1920 já se sabia quase tudo sobre a “asbestose” que matava trabalhadores e trabalhadoras, e tão cedo (ou tão tarde) quanto o ano de 1934, esta terrível doença já constava da Lista de Doenças Profissionais na Inglaterra. Na década de 1930, o mundo ocidental capitalista já sabia, também, que o uso da fibra de amianto ou asbesto causava câncer pulmonar (Gloyne, 1935; Lynch & Smith, 1935), como, também, já se começava a associar o amianto ao tumor de pleura, altamente letal, denominado mesotelioma maligno (Gloyne, 1933), confirmado e reconfirmado em 1960 (Wagner e colaboradores).
Esse longo introito conceitual e de fatos históricos abre o caminho para resgatar a cronologia da exploração das minas de asbesto (amianto) no Brasil, iniciada na Fazenda São Félix, em Poções (BA) (hoje Bom Jesus da Serra), na década de 1930, e a imediata utilização no País, principalmente em fibrocimento. Reitero: já se sabia muito – quase tudo - sobre a patogenicidade do amianto, mas os empreendimentos de exploração mineral e industrial foram iniciados e turbinados pela ganância, sempre com a ocultação deliberada dessas informações (mais tarde, a negação despudorada), seja aos trabalhadores, seja às autoridades públicas, seja às comunidades. Em 1956, casos de asbestose já estavam sendo diagnosticados no Brasil, em estudo oficial realizado por médicos e higienistas do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). Esgotadas as reservas mais lucrativas da Bahia, os mesmos exploradores já estavam na Serra de Canabrava, município de Minaçu, Goiás, onde estão até os dias de hoje. Como mencionado, naquela época já se sabia praticamente tudo sobre a extrema malignidade das fibras de asbesto, amianto, no caso, a variação crisotila. Mas insistia-se em ocultar; insistia-se em
negar; insistia-se, mais tarde, em provar a inocuidade da “fibra brasileira”, e não faltaram médicos e outros profissionais que se bandearam para essa ignóbil tarefa de defesa. Defesa do amianto, defesa das empresas, negação da doença.
Esta é a primeira parte da história. Mas a história continua, aliás, a ‘história social’, de uma típica e linda ‘construção social’, cujo maior protagonista foi e ainda é o ‘movimento social’ - termos alinhados com os conceitos de Pierre Bourdieu, Albert Jacquard, Peter Burke, entre outros. Esta história culmina (mas não termina) em dezembro de 2017, com o banimento do amianto no Brasil, decretado pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, no atual contexto histórico, tão penalizado por enormes retrocessos sociais e reais ameaças aos contrapoderes sociais que se alevantam contra eles, eis que surge o belíssimo livro “Eternidade – A construção social do banimento do amianto no Brasil”, escrito pela talentosa jornalista, escritora e poeta Marina Moura, e prefaciado pela jornalista, escritora e documentarista Eliane Brum, que há anos enriquece o país com suas análises tão precisas e suas palavras tão bem escolhidas. Publicado em coedição pela Machado Editorial e Amarelo-grão, o livro é uma iniciativa da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), com o apoio do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e International Ban Asbestos Secretariat (IBAS).
“A indústria do amianto, no Brasil e no mundo, alimentou suas máquinas com carne humana. E sabia o que fazia. E mesmo assim fazia. E ainda faz”, escreveu Eliane Brum em seu Prefácio. Quando se torna impossível seguir com seus crimes num país, encontra outro ainda mais pobre, ainda mais destituído de justiça, ainda mais desesperado. E recomeça a devorar gente, complementa Eliane.
Para Eliane Brum, “não há futuro sem memória. Este livro é para que os mortos permaneçam vivos, para que os vivos tenham paz. Para que o Brasil não esqueça o que sequer é capaz de lembrar.”
Por meio da narrativa jornalística literária - histórias reais contadas com recursos literários -, Marina Moura pratica a escuta de pessoas que têm muito a dizer. São pessoas aparentemente comuns – explica a autora - dessas que a gente cruza nas filas de padarias ou esbarra nas estações e calçadas. Muitas delas constantemente têm a voz abafada, seja por sistemas opressores, convenções sociais sufocantes, ou outras imposições que recaem sobre a ordinária ou extraordinária vida humana. Para apresentar a potência dessas vozes, a jornalista aposta na escrita atenta, descritiva e viva, que possa trazer à tona as minúcias dessas existências, levando aos leitores dores e delícias de vidas que não necessariamente têm a ver com as suas próprias, mas que podem suscitar compreensão, empatia e solidariedade por existências outras, explicou-me Marina.
O corpo principal da história da construção social do banimento do amianto no Brasil privilegia a história do movimento social, que foi sendo edificado a partir das vítimas diretas da exposição às poeiras de amianto – trabalhadores e trabalhadoras. Vítimas porque foram ‘expostas’; vítimas porque se tornaram ‘adoecidas’; vítimas porque morreram em decorrência da doença, causada pela exposição, causada pela negligência e impunidade de quem gerou o risco, gerou a doença, gerou a morte. Não foram ‘infortúnios’! Foram tragédias anunciadas, daí o dolo. Tipicamente aquilo que a Saúde Pública rotula como ‘doenças evitáveis’, ‘mortes evitáveis’. Evitável porque já se sabia de antemão que a exposição ao amianto provoca adoecimento e morte. E que o decantado “uso seguro” era inseguro, posto que inexistente; e que o propalado “uso controlado” era descontrolado, posto que amplamente socializado na cadeia produtiva e de consumo do amianto e de seus produtos.
Mas o movimento social foi também construído por vítimas que se tornaram viúvas e viúvos, órfãos e outros atingidos pela perda de seus entes queridos. Foi também construído por aquelas vítimas que foram expostas porque lavavam a roupa de seus companheiros; vítimas que foram expostas porque responsáveis irresponsáveis pavimentaram ruas ou estradas com a mesma fibra mineral ou seus produtos; vítimas que foram expostas em minas ou empreendimentos abandonados, após a ‘extração da mais valia’ mineral... Ou porque moravam perto dos estabelecimentos de fibrocimento, como já amplamente documentado no mundo, e também entre nós...
Pois bem: estas vozes contra o amianto, de diferentes origens, timbres e intensidades, formaram o que chamamos de movimento social. Em nosso país, elas começam a se articular a partir do final da década de 1980 – ‘antenadas’ que estavam com as proibições em países europeus e com as iniciativas internacionais já acolhidas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Convenção 162 e Recomendação 172, de 1986, ratificadas pelo Brasil, em 1991). O livro conta, de maneira instigante e sempre valorizando fontes e vozes dos aparentemente ‘vencidos’, que o movimento social começou a se estruturar há, aproximadamente,
25 anos, a partir da criação da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), em Osasco (SP), no ano de 1995. Da articulação dos trabalhadores da Eternit, com apoiadores e aliados estratégicos no Ministério do Trabalho, no Legislativo municipal e no Sindicato dos Metalúrgicos. Após Osasco ser anfitrião de evento internacional de grande visibilidade, nasce, no ano 2000, a lei municipal do banimento do amianto, por inciativa do então vereador Marcos Martins. Depois deputado estadual, a lei paulista (12.684/2007), tem a mesma paternidade no legislativo. Iniciativas simultâneas ocorrem no Rio de Janeiro e em outros estados, assim como no âmbito federal. Neste, um bom projeto de lei é mutilado e se transforma em uma perniciosa lei promotora e protetora dessa fibra no Brasil, graças aos lobbies no Legislativo e no Executivo, lei que sobreviveu até 2017.
O belo livro escrito por Marina Moura detalha a evolução, passo a passo, do movimento social, para além de Osasco, passando pela criação da Abrea em São Caetano do Sul, região do ABC paulista, em 1997; pela criação da Abrea, no Rio de Janeiro, em 2001 (linda história das mulheres trabalhadoras e da retaguarda do CESTEH/Fiocruz, além da aprovação da Lei estadual 3.579/2001, de autoria do então deputado Carlos Minc); criação da Associação Baiana dos Expostos ao Amianto (Abea), em 2002; criação da Associação Paranaense dos Expostos ao Amianto (Aprea), em 2006; criação da Associação Pernambucana dos Expostos ao Amianto (Apea), em 2009; criação da Associação das Vítimas Contaminadas pelo Amianto e Familiares Expostos (Avicafe), em Bom Jesus da Serra (BA), em 2012; criação da Abrea de Londrina (PR), em 2014 e da Abrea em Pedro Leopoldo (MG). Cada expressão deste movimento social tem a sua importante história, suas lutas, seus percalços e dificuldades, suas vitórias, e todas estas histórias estão bem contadas no livro Eternidade – A construção social do banimento do amianto no Brasil.
O livro dedica capítulos importantes à questão da judicialização do banimento do amianto no Brasil – “uma conquista a ser mantida”, como é o subtítulo deste capítulo; inclui uma entrevista com o advogado Mauro Menezes, do escritório que há 15 anos advoga para a Abrea e outros braços do mesmo movimento social.
A autora Marina Moura resume, ao final da obra, seu modo de ver a construção social do banimento do amianto no Brasil: “ao longo das décadas, quanto mais esclarecimentos sobre os males derivados da exposição do amianto se faziam conhecidos e eram divulgados, mais as vozes dos expostos ao amianto cresciam, até formarem coro. Começaram então a aparecer as pessoas por trás das vozes, cada vez mais engajadas em associações de combate ao amianto que, a partir dos anos 90, foram surgindo por todo país. A essas associações, somaram-se esforços de campos diversos. Ministério Público do Trabalho; sindicatos comprometidos com a segurança e saúde dos trabalhadores em seus locais de trabalho; ativistas sociais; ambientalistas; médicos, sobretudo ligados a doenças pulmonares ocupacionais; acadêmicos e pesquisadores das doenças do trabalho; juristas e advogados.” Considero-me parte deste grupo!
O livro inclui uma lista nominal de vítimas do amianto no Brasil, o que, por si só, fala mais alto do que todas as vozes citadas pela autora.
Quero crer que uma história que começou a ser contada por ‘vencidos’ transformou-se, graças ao talento de Marina Moura, numa história que pode ser hoje contada por ‘vencedores’!
Prof. René Mendes.